domingo, 27 de fevereiro de 2011
SABEDORIA DE AVÓ
Quando eu for bem velhinha, espero receber a graça de, num dia de
domingo, me sentar na poltrona da biblioteca e, bebendo um cálice de
Porto, dizer a minha neta:
- Querida, venha cá. Feche a porta com cuidado e sente-se aqui ao meu
lado. Tenho umas coisas pra te contar.
E assim, dizer apontando o indicador para o alto: - O nome disso não é
conselho, isso se chama colaboração!
Eu vivi, ensinei, aprendi, caí, levantei e cheguei a algumas conclusões.
E agora, do alto dos meus 82 anos, com os ossos frágeis a pele mole e
os cabelos brancos, minha alma é o que me resta de saudável e forte.
Por isso, vou colocar mais ou menos assim:
É preciso coragem para ser feliz. Seja valente.
Siga sempre seu coração. Para onde ele for, seu sangue, suas veias e
seus olhos também irão.
E satisfaça seus desejos. Esse é seu direito e obrigação.
Entenda que o tempo é um paciente professor que irá te fazer crescer,
mas escolha entre ser uma grande menina ou uma menina grande, vai
depender só de você.
Tenha poucos e bons amigos. Tenha filhos. Tenha um jardim.
Aproveite sua casa, mas vá a Fernando de Noronha, a Barcelona e a Austrália.
Cuide bem dos seus dentes.
Experimente, mude, corte os cabelos. Ame. Ame pra valer, mesmo que ele
seja o carteiro.
Não corra o risco de envelhecer dizendo "ah, se eu tivesse feito..."
Tenha uma vida rica de vida.
Vai que o carteiro ganha na loteria - tudo é possível, e o futuro é
imprevisível.
Viva romances de cinema, contos de fada e casos de novela.
Faça sexo, mas não sinta vergonha de preferir fazer amor.
E tome conta sempre da sua reputação, ela é um bem inestimável.
Porque sim, as pessoas comentam, reparam, e se você der chance elas
inventam também detalhes desnecessários.
Se for se casar, faça por amor. Não faça por segurança, carinho ou status.
A sabedoria convencional recomenda que você se case com alguém
parecido com você, mas isso pode ser um saco!
Prefira a recomendação da natureza, que com a justificativa de
aperfeiçoar os genes na reprodução, sugere que você procure alguém
diferente de você. Mas para ter sucesso nessa questão, acredite no
olfato e desconfie da visão. É o seu nariz quem diz a verdade quando o
assunto é paixão.
Faça do fogão, do pente, da caneta, do papel e do armário, seus
instrumentos de criação.
Leia. Pinte, desenhe, escreva. E por favor, dance, dance, dance até o
fim, se não por você, o faça por mim.
Compreenda seus pais. Eles te amam para além da sua imaginação, sempre
fizeram o melhor que puderam, e sempre farão.
Não cultive as mágoas - porque se tem uma coisa que eu aprendi nessa
vida é que um único pontinho preto num oceano branco deixa tudo cinza.
Era só isso minha querida. Agora é a sua vez. Por favor, encha mais
uma vez minha taça e me conte: como vai você?
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