segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Além da vida (Hereafter)



Um dos significados para hereafter em inglês é ‘vida após a morte’. É um substantivo - tem gente que acredita no hereafter, tem gente que quer estar preparada para o hereafter. Mas a palavra também pode ser um advérbio, e aí ela quer dizer ’daqui pra frente’ ou ’no futuro’. Quando traduziram o título do novo filme de Clint Eastwood para o português, escolheram o primeiro sentido. Mas, ao sair do cinema, eu fiquei pensando que essa escolha talvez não tenha feito justiça à ideia central do filme. Porque quando leio ‘Além da Vida’, eu penso que o foco será nos que se foram; mas Hereafter (trailer aqui) não é um filme sobre os que morreram, na linha de Amor Além da Vida ou Nosso Lar. É um filme sobre quem ficou e agora está tentando compreender o que aconteceu, juntar os caquinhos e seguir em frente.




São três histórias contadas em paralelo, todas envolvendo pessoas que foram, de alguma maneira, ‘tocadas’ pela morte: Marie (Cécile de France), jornalista francesa de sucesso, que tem uma experiência de quase-morte durante um tsunami na Tailândia; Marcus , um garotinho inglês tímido que é colocado em um lar temporário quando seu irmão gêmeo (George e Frankie McLaren) morre e sua mãe, viciada em heroína, tenta se reabilitar numa clínica para desintoxicação; e George (Matt Damon), um médium que tenta viver uma vida normal e considera seu dom de intermediar conversas entre vivos e mortos uma maldição.



O roteiro de Peter Morgan (‘A Rainha’ e ‘Frost/Nixon’) costura as três histórias e faz com que, inevitavelmente, os personagens se encontrem no fim, mas isso acontece de uma maneira incrivelmente natural. A fotografia reforça as emoções de George, Marcus e Marie, colocando-os em cidades notadamente vibrantes (São Francisco, Londres e Paris) mas sempre em dias nublados, nas sombras, em cenários de cores frias. A música, composta pelo próprio Clint Eastwood, é melancólica (mas não triste) e em geral executada por apenas um piano ou um violão. O ritmo do filme, depois da sequência inicial impressionante do tsunami, passa a ser lento, como se a passagem do tempo de repente perdesse toda a razão de ser.



Falando assim, até parece que o filme é pesado e deprê. Mas é interessante ver como Eastwood, um ator famoso por seus personagens durões e meio mal humorados, daqueles que gostam de resolver todos os problemas sem muita conversa mole, dirige seus filmes com sutilieza e sensibilidade, mas sem cair no clichezão de ‘lágrimas pra que te quero’ que Hollywood adora. Também evita a armadilha de fazer um filme doutrinário; ele não quer explicar o que acontece após a morte, apenas dá a seus personagens vez e voz para que façam as perguntas que todos fazemos em algum momento de nossas vidas, sem necessariamente obterem respostas definitivas.



É um filme delicado, que não faz pouco da inteligência do espectador (coisa bem rara hoje em dia), nem da sua capacidade de se emocionar e de sentir empatia pelo que acontece com os personagens. Não se deixe enganar pelo título que parece ter sido escolhido para atrair público; este é, definitivamente, um filme sobre os vivos. E para eles.

http://cronicasurbanas.wordpress.com/2011/01/17/alem-da-vida-hereafter/